domingo, 24 de outubro de 2010

Árvores londrinas

O carro avançou rápido e entrou em uma grande rótula. A música começava a tocar no rádio e no meu coração. O que estaria pensando? Peguei em sua mão, mas esta rapidamente foi tirada com a desculpa – a lotação. Sentei-me ereto, olhei para a rua e aqueles prédios desconhecidos; baixei o vidro da janela.  O ar agora entrava e corria contra o meu rosto. De súbito eu disse, eu conheço essa música! E nos olhamos, tentávamos lembrar quem a cantava... Ficamos vários minutos discutindo de onde ela era.

De que importa? Percebeu toda essa gente andando e sorrindo... Por que estariam felizes? Fazia calor, era véspera de réveillon. Hoje em dia eu me lembro bem. Quanto tempo isso faz? Não importa, tudo está tão vivo como se fosse ontem.

E se fôssemos conversar com meus amigos? Ah... Eu disse tudo bem, mas tudo o que eu desejava era que ficássemos a sós, mas não era possível, pensei. Você sabe, há muita gente importante e franca para se ver. Era o que achava. Na verdade, olhava para mim mesmo e depois para o lado – comparações eram inevitáveis. Iria chover, o vento estava ficando cada vez mais quente; eu não estava à altura.

Precisamos comer algo. Em breve teríamos que ir para a casa, não a minha, pois eu estava longe – e nos arrumaríamos para a noite, essa que prometia ser inesquecível, pelo menos para mim. Talvez nos beijaríamos, transaríamos após o banho e, deixando a toalha cair ficando tudo à mostra, nos beijaríamos de novo; e os lábios desceriam até onde o fogo queimava mais do que febre de inverno. Minha carne tremia. Eu não poderia, não. Eu não poderia fazer aquilo. Eu não estava preparado. Eu sou ridículo, pensava, olhe para mim, corpulento, desajeitado, frágil. Quem gostaria de explorar tais mediocridades? Olhando para o banco ao lado, eu via praias paradisíacas; nas quais eu não ousaria tocar. Era tudo ilusão.

Posso te beijar? Contanto que ninguém veja, pode. Então deixa pra lá... Talvez depois. E tomamos o nosso refrigerante, já com o carro parado. O telefone tocou. Droga, quem seria? Sim, sim, já estamos indo aí, onde vocês estão? Ah sim, seus amigos. Temos que pegá-los, vamos dar uma volta. E eu?, pensei, não importo? Entramos rápido no carro, não poderíamos deixa-los esperando.

Baixei a cabeça, o líquido já não descia facilmente pela minha garganta. Logo chegamos, a porcaria do local era bem perto dali. Lá estavam os três esquisitos; um deles era mais do que os outros; foi logo com esse tal que a antipatia gritou. Havia algo nele que eu repudiava. Era mongol, falava como se estivesse morrendo, metido a rico. O nome da criatura eu já não me lembro. Olhava-me da cabeça aos pés com ar de reprovação e deboche. Comecei a ignorá-lo. Senti que havia algo de errado. Eu poderia quebrar a garrafa de refrigerante e cortar-lhe o pescoço se eu fosse um pouco mais desequilibrado ( e se a garrafa fosse de vidro, malditas garrafas plásticas ). 

Depois de mais algumas voltas pela alameda rumo à igreja matriz e passando de novo pela grande rótula, deixamo-los em casa. Disse-lhe que não simpatizara com aquela pessoazinha. Riu, de mim, deveras.

Fomos para casa, a chuva caiu em turbilhões d’água. O barro vermelho que se acumulava nos cantos da rodovia, agora escorria como sangue vazando de artérias pulsantes. Em seu quarto, eu na cama, olhava tal monumento seminu. Logo se vestiu. Um beijo me arremessou de longe, sorriu levemente e saiu.

 Andrei Valentim, 23.10.2010.