sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A última página - parte 1

Sentada ali na cama, refletia se deveria mesmo deixar tudo para trás. Todos os sonhos, as esperanças e, principalmente, as lembranças. Sua vida era boa, mas precisava de desafios. Precisava encarar a vida por si só e enfrenta-la como nunca. Ela, que havia nascido e crescido em uma cidade não muito grande, não via grandes infortúnios em ir para uma cidade menor. Nessa cidade poderia estar o que ela procurava tanto: seu emprego dos sonhos, em uma universidade de renome.

A vida de professor não é fácil. Dentre todos os problemas que se tem na vida escolar, há um que se destaca dentre os outros: o de se apegar aos alunos. Na verdade, sempre achara que deveriam ensinar nos cursos para professores para eles serem frios, como um cirurgião. É muito difícil ter que conviver com pessoas e não se envolver com suas histórias, necessidades, frustrações e etc. Pensando bem, deve ser por isso que os professores sofrem tanto com o descontrole de suas emoções, pois além de seus próprios sentimentos, têm de carregar mais um turbilhão dos alunos que são descarregados a cada aula.

Não é fácil dizer adeus àquelas pobres criaturas. Naquela tarde, enquanto despedia-se de uma turma de oitavo ano, viu seu coração apertar mais que o de costume: Lucas, o menino bagunceiro e que nunca prestava atenção à coisa alguma, disse-lhe ao ouvido que ela “era uma ótima professora”.

Não é estranho como as coisas mudam tão rapidamente? Um dia achamos que temos o mundo nas mãos e até podemos girá-lo como bem entendermos, mas no segundo posterior ele escapa dentre os nossos dedos... Ela conhecia-se bem. Era um tanto pessimista, mas estava tentando mudar, ver as coisas com outros olhos. Seus alunos, que por muitas vezes a aborrecia profundamente, também poderiam ser muito agradáveis. Ressentiu. Não poderia deixa-los. Mas não adiantava... Não tinha como voltar atrás; as malas estavam prontas, passagens compradas e tudo mais. Tentou dormir, pois logo cedo viajaria.

Não pregou o olho durante a noite toda. Seu coração batia acelerado, sua barriga parecia ter um buraco negro a consumindo por dentro, suas mãos suavam. Isso não era bom, nunca havia se sentido daquele jeito. Era uma sensação tão ruim que logo já tinha certeza que era uma má premonição. Nada daria certo. Começou a chorar.

Seis horas da manhã, já arrumada; olhos inchados. Pegou o trem até aquela cidadezinha do interior. Fazia frio, muito frio. Eram meados de julho, logo após o fim do primeiro semestre. Vida nova, ar puro e novo. Conduziu-se até seu novo lar, o apartamento 601, muito aconchegante e quentinho. Deixou seus discos e álbuns de fotos em cima de uma cômoda e colocou as malas ao lado do guarda roupas. Estava muitíssimo cansada, mas sem sono. Queria ler. Foi só então que se deu conta que havia esquecido seus livros em casa. Mas tudo bem, tinha duas semanas até suas aulas começarem. Mas precisava ler, de qualquer jeito.

Com a biblioteca da universidade fechada , e esta era praticamente ao lado do seu prédio - muitíssimo grande e possuía livros de tudo quanto é assunto ( diziam até que era uma das mais bem equipadas do país ), teve de procurar por outra. Na rua dos armazéns, perguntou para um senhor de cabelos brancos e com uma cara muito simpática, se a cidade possuía uma outra biblioteca que não fosse aquela. O velhinho disse que no meio da praça central estava a biblioteca municipal, mas que ficava às moscas, já que a da universidade era muito maior. Além disso ela era pequena, e dizem que hoje em dia serve “apenas para guardar velhos documentos”. Ela perguntou-lhe se havia algum livro lá que ela pudesse ler, já que era uma professora de literatura e não queria enferrujar. Ele respondeu que poderia ter algum e disse-lhe o caminho.

Chegando à biblioteca, viu uma mulher realmente idosa tomando conta do lugar, e bem como o outro velhinho do armazém havia contado, não havia ninguém mais ali. Honestamente, aquele lugar parecia abandonado.

[continua...]